Vale-transporte, auxílio creche, vale-alimentação e plano odontológico faziam parte de uma lista de benefícios tradicionais que por muito tempo atendeu às necessidades da maioria dos trabalhadores. Mas desde a Reforma Trabalhista, aprovada em 2017, muitas empresas passaram a considerar a flexibilidade desta oferta. As ações nesta direção vinham acontecendo timidamente até que a pandemia mudou radicalmente o jeito de trabalhar. O que parecia uma tendência de futuro até o fim de 2019 passou a ser realidade. O home office levou a liderança de diversas empresas a constatarem a necessidade de oferecer alguns auxílios diferentes dos convencionais, como acesso à internet e mobiliário, para garantir boas condições de trabalho em casa. Algumas foram além e possibilitaram que os funcionários personalizassem seu pacote de benefícios.

Gupy, startup que se propõe a transformar a maneira como são feitos os processos seletivos com o uso de tecnologia, decretou o home office de todo o time bem no início da pandemia, em meados de março. O que começou como algo temporário logo se tornou uma condição duradoura para todos da companhia. Em meio às novidades e adaptações necessárias para um time pouco acostumado ao trabalho remoto, a empresa priorizou a equipe.

Nos primeiros dias de trabalho remoto, os colaboradores receberam um auxílio internet no valor de R$ 150,00 que se mantém até hoje. Conforme a quarentena se estendeu, outras necessidades surgiram. Todos os equipamentos de escritório como computadores, suporte para os pés e mouses foram entregues nas residências dos funcionários em uma grande operação de logística, já que muitas pessoas migraram para locais mais distantes do escritório. O conforto foi outra preocupação da empresa. Um auxílio de R$ 1.500,00 foi oferecido para que cada pessoa montasse seu escritório em casa.

Além dos aspectos práticos, um benefício já conhecido pela empresa ganhou mais atenção durante esse período: o auxílio terapia. Os “gupers”, como são chamados internamente os funcionários, recebem um subsídio de terapia online 1 vez na semana para cuidar da saúde mental.

“Nossa preocupação maior no primeiro momento foi olhar para os gupers e garantir que eles tivessem boa condições e um suporte emocional para trabalhar em casa”

Guilherme Dias, CMO da Gupy.

Todas essas mudanças foram realizadas através do aplicativo da Caju, startup de cartão de benefícios, que expande as possibilidades de cada funcionário ter o próprio pacote de serviço. Fundada em 2019, a Caju se define como uma empresa de experiência do colaborador. Sua proposta é mudar o modelo engessado de oferta de benefícios oferecido pelas empresas.

Nesse formato mais flexível é o colaborador que controla seus benefícios. Ele recebe um saldo mensal da empresa e, no aplicativo da Caju, faz a opção pelo benefício que considera mais útil.

Segundo a empresa, a tendência de a área de Recursos Humanos se tornar mais estratégica abriu espaço para mudanças no modelo engessado de benefícios. As empresas começaram a olhar para a experiência interna da mesma forma que olhavam para a experiência do consumidor, o que aumentou a demanda de serviços como o oferecido pela Caju.

“Demos o poder na mão do colaborador para ele decidir seu benefício sem precisar pedir mudanças ao RH. Invertemos o processo e, com isso, tiramos um trabalho do RH, permitindo que cada funcionários monte seu pacote de forma simples.”

Eduardo Del Giglio, CEO da Caju 

Outra cliente da Caju é a Revelo, empresa de tecnologia em recursos humanos. Por lá, a flexibilização foi radical. Em vez de delimitar um valor para cada benefício dos funcionários, a empresa disponibilizou um valor total e cada colaborador montou seu pacote. Segundo a diretoria da empresa, a flexibilidade é uma vantagem, já que uma jovem solteira possui demandas distintas de uma pessoa casada com dois filhos, por exemplo.

“Existem algumas pesquisas de mercado que mostram que as pessoas não querem ter um valor para alimentação ou para creche, elas querem ter autonomia financeira para decidir onde alocar, porque cada um tem uma realidade.”

Patrícia Carvalho, CMO da Revelo 

A companhia vem monitorando de perto seus funcionários para entender melhor suas individualidades. Durante as primeiras semanas de pandemia, o time percebeu uma queda na demanda por sessões de terapia, já ofertadas anteriormente, através da parceria com a ZenKlub, empresa de atendimento psicológico online. Com esse alerta, criaram uma campanha de engajamento e viram os acessos aumentarem em 20%.

Além disso, foi realizado o movimento de logística, enviando aos funcionários computadores, telas, mesas e cadeiras para que o trabalho estivesse o mais próximo do habitual. Um auxílio 4G também ficou disponível para aqueles que não possuíam internet.

O acesso à internet dos funcionários também foi um ponto de atenção da Mobly, empresa de móveis e decoração, quando o home office foi decretado. A companhia firmou parcerias com duas operadoras de internet para que os funcionários pudessem contratar um serviço de qualidade a um preço acessível. Outra mudança realizada a pedido dos funcionários foi a troca do vale-refeição pelo o vale-alimentação, que teve seu valor reajustado.

O esquema de trabalho em casa deu tão certo na Mobly, que um comitê interno optou por fechar o escritório e manter o home office permanentemente. Todo mobiliário do escritório foi oferecido aos colaboradores. Para aqueles que optaram por comprar novos móveis no site da empresa, todas as peças saíram a preço de custo.

Para o longo prazo, a Mobly está construindo um ponto de apoio, que será menor que o escritório, mas servirá para aqueles que precisam de um espaço de trabalho também fora de casa e para realizar reuniões e treinamentos.

“Nossa decisão pelo trabalho remoto é definitiva. Acreditamos que com todas as adaptações que estamos fazendo, o modelo tende a melhorar como o passar do tempo.”

Livia Callejas, Gerente de Recursos Humanos da Mobly

Na gráfica online Printi as mudanças foram acontecendo gradualmente. Diferentemente das empresas que já mudaram seus benefícios logo no início da quarentena, a equipe de gestão de lá fez uma pesquisa com os funcionários antes de tomar suas decisões. A partir dela, o time pensou em um novo modelo de benefícios a todos os colaboradores.

A empresa disponibilizou auxílio internet e eletricidade para seus funcionários e enviou cadeiras do escritório para a casa de cada uma das pessoas. Com o apoio de uma plataforma de benefícios flexíveis, trocou o vale-refeição pelo vale-alimentação.

Houve também uma atenção especial para as dificuldades emocionais que o home office pode trazer. A convivência familiar intensa e a mescla de trabalho e vida pessoal nem sempre são bem recebidas pelas pessoas. Pensando nisso, a liderança da empresa contratou um suporte online de terapia. Segundo o CEO, Hugo Rodrigues, o novo modelo agradou os funcionários e veio para ficar na Printi.

“Fizemos a mudança gradual para garantir que fosse definitiva. A minha preocupação era garantir que as pessoas percebessem que estamos evoluindo.”

Hugo Rodrigues, CEO da Printi 

Na Mandic Cloud Solutions, empresa de gestão de cloud corporativa, um modelo flexível de benefícios já estava em fase de implementação, com previsão de vigorar a partir de março deste ano. Porém, com a chegada da pandemia e as incertezas deixando as pessoas mais vulneráveis e apreensivas, a diretoria da empresa concluiu que seria melhor adiar a mudança.

A adoção do novo modelo aconteceu em agosto, após a decisão de que o trabalho remoto seria mantido até o desenvolvimento da vacina. O projeto, batizado de Mandic Switch, permite aos colaboradores a customização nas escolhas de benefícios de acordo com seu estilo de vida. Por meio de um sistema de pontos, os funcionários montam seu pacote de benefícios levando em conta as próprias necessidades. Entre as opções estão: plano de saúde, plano odontológico, vale-refeição, vale-alimentação, seguro de vida, benefício academia, benefício farmácia e subsídio para capacitação e cursos. Além disso, é possível guardar os pontos e solicitar reembolso de acordo com as regras do programa.

Para essa transição, foi adotado um modelo didático. Primeiro houve um teste entre os gestores e, depois, o programa foi para todos os funcionários. Para conscientizá-los de que as escolhas precisam ser bem pensadas, a equipe da área de pessoas criou um game explicando o que é a flexibilidade, como utilizar e como as necessidade podem mudar ao longo do tempo. Após esse primeiro contato, houve algumas palestras e por fim o atendimento individual, onde foi feita a escolha dos benefícios.

“Deu trabalho, mas não tivemos medo de mudar. Creio que é um caminho sem volta. Acreditamos muito no modelo e por isso está dando certo.”

Vanessa Haba, diretora de pessoas da Mandic Cloud Solutions

Independentemente do segmento de cada uma dessas empresas, há uma unanimidade de que hoje vivemos o futuro. Um cenário inesperado fez projetos desenhados para os próximos cinco anos, virarem realidade em apenas cinco meses. A individualidade de cada pessoa ficou ainda mais evidente, tanto no âmbito pessoal quanto profissional. As empresas que compreendem e melhor se adaptam ao modelo personalizado de benefícios ganharão uma vantagem competitiva para atrair e reter talentos.

Por Victoria Pirolla

Disponível em: https://atitudeempreendedora.com.br/com-home-office-empresas-flexibilizam-seus-beneficios/